Todo carnaval tem seu fim

Encontro vestígios de glitter no chão, na pele, nos cantos escuros da cidade. As fantasias de gente feliz são substituídas pela carcaça de quem enfrenta mais um dia de batente, olheiras sem brilho, transporte sem música, gente sem voz. Os pés continuam inchados da dança que dominava as ruas, a chuva limpa a sujeira, alaga os lugares e tira a cor do que um dia foi um mar de gente. O trânsito ocupa o lugar do trio elétrico, quem se puxa agora somos nós. Na melodia triste a vida segue, na terra onde todo carnaval tem seu fim.

Águas de março

A gente vai se desfazendo do para sempre, para ser. A gente vai trocando os passos por alguns tragos, se embriaga para esquecer. A gente se derrama por aí, como quem pensa que pode preencher as lacunas estreitas na vida do outro. A gente diz que não vai para frente, mas precisa andar ou a multidão nos pisoteia. A gente fala que não, a vida grita que sim. Eu nunca vou crescer, disse eu quando criança. Eu nunca vou amar, disse eu na adolescência. Eu nunca vou parar de sofrer, disse eu quando te vi partir. Mas a vida corre, quer a gente deixe ou não. O fim do caminho é só uma questão de tempo. Somos finitos, assim como tudo aquilo que passa do seu tempo. 

O carrossel nunca para de girar

A gente se acostuma com muita coisa que não quer, aceita aquilo que a vida oferece e deixa o tempo dizer o que será, que será, que Chico Buarque tanto cantava pra ver a banda passar. É impossível impedir que a vida corra, o ponteiro não para, o tempo não perdoa e a vida não nos deixa desatinar para sempre. “Navegar é preciso, viver não é preciso” já dizia Pessoa, e que pessoa. A correnteza vai levar, não se pode firmar os pés no chão feito de areia. Não se pode criar laços com o invisível, com aquilo que não se faz presente, com a memória do que se foi. A vida não para, Lenine cantou. A mente é perigosa, eu bem sei. Algumas vezes é impossível escapar das armadilhas que nós mesmos criamos, mas o costume sempre chega e faz tudo se adequar. Ele é sorrateiro, surge dos cantos mais improváveis da mente e, quando menos esperamos, estamos lá, entendendo e aceitando que o ciclo é esse e não existe nada que possa ser feito para voltar atrás. Já dizia Ellis Grey “Crescemos… É uma pena. É terrível ser adulto, mas o carrossel nunca para de girar”.

Não se pode escapar do ato grandioso e assustador de aceitar, mesmo que isso signifique abdicar daquilo que se foi um dia e seguir em frente.

Eu só não posso

Eu queria poder mas eu não posso. Algumas coisas são como são, eu sou como eu sou. Eu não posso mais me lapidar tanto, vou encolhendo para caber em lugares temporários, quase sumo, isso não é certo. Eu sou tão inteira, minhas raízes são tão profundas, eu não me sinto confortável me encolhendo tanto assim. Para algumas pessoas parece mais fácil, não para mim. Eu gosto do meu canto, onde sou tudo o que posso. Eu gosto de ser tudo o que posso, gosto de ir além do que posso, eu só não gosto de ser aquilo que não cabe a mim por não me caber. Eu preciso de espaço para crescer.